domingo, abril 25, 2010

Publicação adicional: “Flores sem fruto”


Lírio por Bittersweet.

“Flores sem fruto” é uma obra de Almeida Garrett publicada em 1845 no ideal romântico da solidão e da natureza.
A prosa poética “Solidão” é constituída por três partes onde o autor se debruça sobre a solidão (“Solidão, eu me venho a ti, já não me quero senão no teu seio”) e o retorno à vida simplista baseada na natureza (“Por isso eu não quero viver mais com os homens”; “Silêncio dos bosque salve!”).
De seguida é possível ler a terceira parte de “Solidão”, uma prosa poética sublime, como pano de fundo uma solidão angustiante onde só é aliviada na natureza, com a fuga da sociedade, “dos homens”. Uma leitura magnificente de um escritor imponente.


Solidão: Parte III

Solidão, eu me venho a ti, já não me quero senão no teu seio.
Trago o coração oprimido, uma mão de ferro mo aperta.
O espinho da dor está cravado no meio dele; a angústia o torce sem piedade.
O afogo lhe travou das artérias; todo o peso da desgraça está em cima dele.
O meu sangue já não tem vida; e circula de mau grado pelas veias froixas.
Arde-me não sei que fogo no íntimo do peito: queria chorar e não tenho lágrimas.
Travam-me na boca os azedumes do passado; a aridez do futuro secou os meus olhos.
O que foi e o que há-de ser anda-me esvoaçando pela fantasia; são pensamentos de asas negras como o corvo agoureiro.
O momento que é desaparece no meio deles; porque não é nada.
O homem não tem senão o passado e o futuro: o passado para chorar e o futuro para temer.
O presente não é nada; é só o que ele sabe.
Já se esqueceu do passado e o futuro não lho disse Deus.
Eu vivo no futuro por uma esperança mais ténue que o fio da aranha; existo no passado porque ainda se me não foi o amargor dos tragos que bebi.
O presente está no meio, como o ponto no centro do círculo; mas sua existência é quimera.
Os raios que partem para a circunferência são reais: tal é a minha vida.
Daquele ponto imaginário tiro linhas verdadeiras para o que fui e para o que hei-de ser; todas vão parar na desgraça
Eu tive coração, amei; ainda o tenho, e amo.
Mas o meu amor fadou-o a desventura; bafejou-o o sopro do mal.
Fui planta que só lágrimas a regaram; o sol da felicidade não se riu para ela.
Deu flores outoniças que não desabrocharam: o granizo as acrestou e a geada lhes queimou os germes.
Não houve esperança de fruto; só o prazer, mas tão louco! de as colher sem ela.
Por isso está triste a minha alma; triste até à morte.
E os homens cuidam que sou feliz; e eu rego de noite o meu leito com as lágrimas dos olhos.
Porque a noite fez-se para chorar, quem tem que chorar; de dia o avisado mente e ri.
Por isso eu não quero viver mais com os homens; quero chorar de noite e de dia.
A cidade é para mim o deserto; a solidão é a minha pátria.
Solidão, eu te saúdo! silêncio dos bosque salve!

1 comentário:

  1. Silva: estou a ler esse livro e esta pequena análise ajudou-me a perceber as ligações à natureza no poema.
    PS: bela imagem

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